Artur Jorge planeja volta ao Brasil e diz que poderia ter ficado no Botafogo: "Tinha mais para ganhar"

Técnico evita falar de valorização, mas diz que havia sete treinadores à sua frente em remuneração na Série A e revela bastidores da reta final: "Uma vez mais o rolo compressor do Botafogo veio"

| GLOBOESPORTE.COM / BáRBARA MENDONçA, JéSSICA MALDONADO E RAPHAEL ZARKO


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De terno vinho e camisa e sapatos pretos, Artur Jorge chegou ainda antes do combinado para a entrevista no Abre Aspas do ge. Entre fotos e mais fotos na sede da Globo, ouviu agradecimentos dos torcedores do Botafogo e pedidos pela volta ao Glorioso.

Em rápida agem pelo Rio de Janeiro, o português recebeu condecorações na Câmara do Rio de Janeiro dos cariocas e niteroienses. O filho de Braga que conquistou o Brasil e a América parece até saber que deixou um trabalho para seguir no país pentacampeão do mundo.

Falou naturalmente em voltar ao futebol brasileiro, de alguma mágoa que ficou pela saída - da torcida para com ele, dele na valorização que poderia ter mudado tudo - e do sentimento de pertencimento que ainda tem com o Botafogo. A ponto de revelar inveja de não estrear em alguns dias na Copa do Mundo de Clubes; Renato Paiva, a quem define como amigo, será o comandante alvinegro.

Ficha técnica:

Nome completo: Artur Jorge Torres Gomes Araújo AmorimNascimento: 1º de janeiro de 1972, em Braga, PortugalProfissão: Treinador de futebolCarreira no futebol: como zagueiro, atuou no Braga e no Penafiel. Como treinador, Braga, Botafogo e hoje Al-Rayyan.Títulos: no Braga, campeão da Taça da Liga (2023/2024). No Botafogo, campeão do Brasileiro e da Libertadores (2024).

Abre Aspas: Artur Jorge

Como começou a sua carreira no futebol e como ela te transformou no treinador que é hoje?

– Sou um orgulhoso bracarense. E minha carreira como jogador começou exatamente no Sporting Braga, que é o maior clube da região, fica na minha cidade. A minha paixão pelo Braga é desde muito novo, quando eu acompanhava os jogos com os meus pais, até ter a oportunidade de poder fazer os testes de captação, ficar no clube e fazer parte da equipe na base. Quando comecei essa formação no Braga, meu objetivo era grande: poder chegar à equipe principal e jogar na primeira divisão. E aconteceu. Depois de ar por todas as categorias, alcancei o patamar mais alto. E rapidamente consegui me impor também e me tornei capitão de equipe muito novo, com 23 anos. Foi o meu primeiro ano como capitão do Braga, e assim fiquei até o final da minha carreira. Eu quero acreditar que esse processo de liderança, que mistura resiliência e competência para atingir o patamar mais alto, agregado àquilo que é a liderança de um grupo de trabalho como capitão, me deram também valências para poder hoje ser o treinador que sou, dentro desses meus princípios também que mantenho e outros que fui acrescentando para uma nova posição.

Sua família não era de jogadores de futebol. De onde vem a ligação com o esporte e como era a dinâmica familiar?

– O que nos liga é que nós somos todos muito apaixonados pelo futebol. Eu sou o primeiro jogador de futebol da família. Acima de tudo eu sou um torcedor de futebol, um apaixonado, aquele que vibra com o jogo. E tive sempre com o meu pai e a minha mãe - sou o irmão mais velho, tenho mais dois irmãos. Sendo o mais velho, era aquele que primeiro fazia esses percursos muitas vezes a pé, porque morávamos próximos do estádio. Vivemos e tivemos uma vida boa, somos de uma classe média. Meu pai, funcionário público, a minha mãe também, com um negócio próprio. Acompanhávamos o Sporting Braga porque era, de fato, a nossa paixão de fim de semana, assistindo a jogos e momentos, uns mais felizes, outros nem tanto. E foi assim que nasceu a minha paixão pelo jogo.

Como era o zagueiro Artur Jorge?

– Eu era agressivo, era muito valente. Aquele tipo de zagueiro com características mais de marcação até, de não permitir muito espaço a quem pisava próximo do meu gol.

Levava muitos cartões vermelhos?

– Tenho algum histórico de amarelos e vermelhos (risos). Tive sempre uma forma muito intensa, prefiro dizer assim, de defender as minhas cores. Uma forma muito sempre assertiva e direta com o meu compromisso e a minha missão enquanto zagueiro e capitão da equipe.

E você se tornou técnico ainda jovem. Com 37 anos...

– Para mim, com toda a convicção, o melhor do futebol são os jogadores. Não tenho dúvida nenhuma. Na máquina e no mundo do futebol, os jogadores são a peça principal, mais importante e também a peça mais valiosa. E eu gostava muito do que fazia, de jogar, de competir. Sempre fui muito competitivo. Nunca fui o melhor jogador da equipe, mas fui, seguramente, sempre aquele que estava no topo dos mais competitivos. Era uma característica minha. Era zagueiro e fiz todo esse meu percurso nessa posição. Cheguei à seleção sub-21 por Portugal.

– Eu não pensava seguir a carreira de treinador de futebol, mas fui me preparando, confesso. Preventivamente, ainda quando jogava, também fiz os cursos de treinador para poder ter um plano B. Ou seja, sempre fui muito de planejar, de estar organizado e de ter as coisas sob o meu controle. Para mim, (o controle) é muito importante. A carreira de jogador termina muito cedo para todos nós. Disse isso aos meus jogadores no Botafogo, no Braga... Nós temos um ciclo de vida contrário àquilo que é a vida normal de um cidadão. Tudo nos aparece muito novo. A fama, o dinheiro, o protagonismo... Da mesma forma, tudo também nos desaparece muito rapidamente.

– Aos 30 e poucos anos, a vida de um jogador acaba, e nós temos um “sem-número' de exemplos de quem não esteja preparado do ponto de vista estrutural e emocional para ter essa quebra. É de fato um ponto muito difícil. Eu senti isso. A transição é muito difícil.

Mas você pensou em fazer outras coisas?

– Eu me preparei para poder ter essa possibilidade. No final (da carreira como jogador) não tinha essa prioridade. Mas comecei a perceber que poderia seguir esse caminho também, porque fazia eu me sentir ligado ao futebol da mesma forma, e à competitividade, que era o que eu mais queria. E pouco tempo depois de terminar a carreira, houve um ano em que não fiz muito. Tive um negócio aberto por mim próprio, que também foi um projeto de sucesso, mas faltava a competitividade, a adrenalina do futebol e aquilo que era eu poder jogar para ganhar alguma coisa. Eu sentia muita falta disso. Até ter a oportunidade depois, na minha casa, no Braga, poder agarrar a oportunidade de iniciar a minha carreira de treinador. E dar seguimento à trajetória que começa exatamente da mesma forma, na base: sonhar e a ambicionar chegar à equipe principal. Ou seja, os os são muito idênticos na minha carreira de jogador e de treinador.

O que motivou essa saída da zona de conforto em Braga rumo ao Brasil?

– O que me fez mudar foi o desafio. O meu grande sonho sempre foi treinar o Braga na Primeira Liga. E eu tive um ciclo extraordinário, consegui juntar não só o meu sonho de treinar o clube, mas também de fazer isso nas três principais competições europeias: a Conference League, a Liga Europa e a Champions League. De conseguir superar todos os registros que tivemos no Braga e conquistar um título (Taça da Liga 2023/2024). Naquele momento senti que estava preparado, de uma forma até mais emocional, para agarrar um projeto que aparecesse e fosse atrativo. E acho que não tinha melhor proposta do que a que tive, sobretudo ados os meses em que vejo o resultado.

– O Botafogo era um clube que eu conhecia também já de Portugal, porque nós acompanhámos muito o futebol brasileiro. O Botafogo é um clube histórico, de dimensão e grandeza enormes, mas que não era, naquele momento, a marca mais forte do Brasil. Não estava no topo das três marcas mais fortes do Brasil. E esse desafio, para mim, também era atraente. Pensar que eu conseguiria a partir dali, caso fosse competente e conseguisse atingir os objetivos que eu também tinha criado para mim, fazer com que esse Botafogo voltasse a ser o Botafogo de tempos gloriosos. Conseguir fazê-lo mais e melhor.

– Essa foi a principal razão para que eu pudesse fugir de uma zona de conforto. Mas eu sabia que mais cedo ou mais tarde iria acontecer (a saída do Braga), porque minha ambição, meus projetos profissional e de vida ariam sempre por treinar e procurar desafios onde eu pudesse lutar por títulos, e onde me fosse dada a oportunidade de treinar clubes com a dimensão que o Botafogo tem.

O interesse foi apenas do Botafogo ou houve outros clubes?

– Não, nós tivemos algumas propostas, inclusive para a Europa, para sair naquele momento do Braga. Mas entendemos que não eram os projetos certos para nós. Sendo que este que era um projeto que, provavelmente, em termos de exigência imediata, era um projeto de algum conforto, porque nós sabíamos que tínhamos algum tempo. Evidentemente também o fato de (o Botafogo) ser um clube SAF me ajudou muito a ter essa decisão de vir para cá, porque me garantia estabilidade e condições de trabalho, para poder fazê-lo de uma forma sem correr riscos, sem a volatilidade que os treinadores normalmente têm no futebol.

– Aquilo que era o projeto para nós, Botafogo, foi sempre superior. Na verdade, dissemos que esse era o projeto que íamos agarrar. E quando esse projeto surgiu, vocês sabem, foi de uma forma extremamente rápida entre o convite, a decisão e o estar no Rio de Janeiro. Juntei os meus auxiliares, que trabalham comigo há cerca de seis anos, e nenhum de nós teve dúvidas que este seria o projeto para nós. Nos decidimos e dissemos “este é o projeto que queremos, que vamos fazer e que vamos dedicar toda nossa competência, paixão, e, acima de tudo, a nossa alma, para que isto possa funcionar".

Você fala do fator emocional algumas vezes. Era um ponto de atenção no Botafogo que você assumiu devido ao desfecho de 2023. O que encontrou na chegada ao clube?

– O aspecto emocional é um dos grandes pilares do meu próprio trabalho, do que eu gosto de fazer, e tenho como base para o sucesso. Junto do lado estratégico e físico, emocionalmente tive uma grande conexão imediata, sobretudo quando cheguei ao Rio de Janeiro e assisti ao primeiro jogo no Nilton Santos. Tivemos essa grande conexão com a torcida, a quem eu muito devo e faço uma reverência pela forma como sempre comportaram conosco, como sempre apoiaram a equipe.

– Nós sabíamos, eu acompanhei também a história de 2023, que (o Botafogo) precisava ter alguém que fosse capaz de uma liderança que pudesse quebrar aquele ciclo ado. Olhando e fazendo crer que o mais importante para nós não seria nunca mudar a história de 2023. Seria sempre criar uma nova história para 2024. E esse foi sempre o meu grande desafio, foi a minha proposta para os jogadores.

– Eu não vou dizer que nós tivemos um ano completamente estável emocionalmente. É normal, eu senti que, em alguns momentos, a equipe deu sinais de que poderia ter alguma fragilidade. Mas nós fomos sempre muito capazes de fazer com que a nossa capacidade de superar mentalmente fosse mais forte do que ficarmos desgastados sobre o que poderia pesar do ano anterior.

– E isso foi conseguido também com um grupo de jogadores extraordinários, excepcionais, que abraçaram essa ideias. Fizemos com que com resultados, com desempenho, toda uma torcida fosse deixando para trás aquilo que foi, com toda a certeza, um desgosto enormíssimo. Mas com a perspectiva de que, dali para a frente, novas coisas viriam, de que o melhor estava por vir. De que o que nós poderíamos fazer era bem mais grandioso do que o que tínhamos perdido. A verdade é que, quando chegamos ao fim (de 2024) e olhamos para os resultados, eu não tenho dúvidas que ninguém fica sentido ou desanimado por não ter ganhado em 2023.

Há algum caso de recuperação individual de jogadores que valha destaque?

– Eu prefiro destacar os momentos coletivos. Naturalmente, quando falamos de um grupo de 24 ou 26 jogadores, temos diferentes mentalidades, egos... Hoje, o treinador é muito mais do que aquele que pega uma equipe, escolhe 11 jogadores e vai para dentro do campo. Nós temos um “sem-número' de valências e contextos que são importantes, que você precisa estar preparado para lidar. E isso foi uma das grandes ferramentas que tivemos enquanto equipe técnica. Precisamos, em alguns momentos, pegar e fazer com que a equipe se sentisse sempre muito capaz.

– Acho que não há momento mais importante do que este, em uma semana em que nós conquistamos praticamente os dois títulos (Brasileirão e Libertadores). Fizemos três jogos com este grau de exigência e decisão. E se ali não mostrarmos a capacidade mental, acho que não há força mental em equipe nenhuma. Ganhar fora de casa do Palmeiras, ganhar a Libertadores três dias depois e ganhar do Internacional depois de mais três dias.

– Naquela semana demos um título ao clube e ficamos com as portas abertas para a conquista do Brasileirão, com os mesmos jogadores a contribuir de formas diferentes. Uns foram mais utilizados, outros contribuíram de uma forma enormíssima, e vocês não têm ideia disso, mas eu sei, para que pudéssemos dar uma demonstração imensurável sobre a força mental da equipe.

– Para o nosso bem, (a força) se demonstra em uma reta final de campeonato, e vocês sabem que tínhamos três empates anteriores (Cuiabá, Atlético-MG e Vitória) onde muitas dúvidas se levantaram. A equipe naquele momento disse: “presente, nós estamos aqui'. E mais uma vez, quase que como rolo compressor, termina o campeonato. Foram 15 jogos até ao final sem perder, mas aquela reta final foi uma vez mais em que o rolo compressor do Botafogo veio.

A instabilidade se manifestou naquele momento antes da viagem para enfrentar Palmeiras e Atlético-MG, quando você convocou uma entrevista coletiva?

– É exatamente esse o momento chave que eu também considero para a parte final do campeonato. Nós tivemos três empates e íamos encarar uma sequência de jogos decisivos. E onde nós, com a vantagem que tínhamos e com esses três empates, permitimos que chegasse o nosso grande rival (Nota da redação: o Palmeiras assumiu a liderança do Brasileirão pelos critérios de desempate). Tinha também o Flamengo, o próprio Fortaleza e o Internacional, que foram rivais que lutaram até o final pelo título.

– Nessa altura, quis quebrar um pouquinho do ciclo da nossa rotina. Senti que havia necessidade de dar a cara pela equipe. Fazer com que, naquele momento, o líder desse um o à frente.

– Depois desses três empates, em que algumas dúvidas, sobretudo externas e de comunicação social, procuraram criar alguma instabilidade e até fazer com que a equipe tivesse desconforto... Senti que aquele era o momento. Íamos entrar numa sequência de jogos decisivos, em igualdade de pontos com o Palmeiras na casa deles, depois a final da Copa Libertadores. Então faltariam Internacional e São Paulo para o fim do Brasileiro.

– Tive a iniciativa de poder falar diretamente sobre aquilo que era o estado de espírito de uma equipe, a força e a capacidade de uma equipe que não estava descrente em momento algum. Que sabia que não jogamos sozinhos, que do outro lado há sempre um oponente que procura nos contrariar. E nós tivemos, não vou dizer os nossos três melhores jogos (nos empates), mas desempenhos suficientes para ganhar e não ganhamos. O futebol é isso mesmo. Tivemos, talvez, outros jogos em que não fomos tão brilhantes e conseguimos vencer.

– Naquele momento, era importante dar uma resposta para fora, só. Sobretudo, para os nossos torcedores, de confiança, de poderem ver que aquela seria uma equipe que lutaria até ao fim. Que estava preparada para, perante todos os obstáculos que tínhamos pela frente, conseguir dar a resposta que todos desejávamos. Não existia ninguém mais interessado ou ambicioso do que nós próprios para ganhar os títulos que tínhamos na mão.

– Isso não pode nunca ser uma dúvida para quem está de fora. E era também importante ar uma mensagem que tivesse dimensão nacional, para mostrar que o Botafogo estava bem vivo e capaz de lutar contra quem fosse e onde fosse.

– Eu disse que estávamos no “ponto zero', no ponto de partida igual para todos, e iríamos a São Paulo para vencer o jogo (contra o Palmeiras). A resposta da equipe não poderia ter sido melhor. Acho que há aqui um conjunto de felicidade que é a minha abordagem, a minha ideia, e ter por trás uma equipe que me a desta forma como o fizeram. Ganhando, ganhando, ganhando e ganhando. Fez com que tudo isso hoje seja história, mas uma história que é feita de momentos. E esses momentos são feitos de gente com coragem, com competência e com qualidade.

Você perdeu os dois primeiros jogos, enquanto iniciava uma mudança time - com quatro atacantes. Cogitou mudar ou se sentia respaldado para manter sua ideia?

– O fato de termos apostado na equipe da forma como fizemos desde o início era, sobretudo, uma ideia de jogo que eu tenho enquanto técnico, mas que também me era visível no elenco que eu tinha, e que era capaz de corresponder. Nós temos sempre, enquanto técnicos, que avaliar o contexto e, dentro desse contexto, perceber até onde é que podemos ir.

– Naquele momento entendi que não era o momento de mudar, porque eu creio que aria a imagem errada, sobretudo para os meus jogadores. Para eles porque aquilo que nós fizemos nos dois primeiros jogos, vimos, dentro do pouquíssimo tempo para trabalhar, alguma evolução. Conseguir ver que havia ali o desenvolvimento coletivo das dinâmicas que queríamos implementar.

– E é aí que eu abraço a coragem, porque teria sido, se calhar, mais fácil, mas completamente oposto àquilo que é a minha personalidade, de eu me encolher e pensar que era o momento em que eu tinha que ser mais cauteloso ou menos corajoso para me salvaguardar. E eu nunca gostei de me proteger atrás do que é o ter menos coragem.

Preferiu manter a ideia?

– Prefiro ter a capacidade de seguir sabendo que às vezes vou tropeçar. Mas naquele momento, e a verdade é que o tempo também mostrou isso, foi a melhor decisão para podermos continuar e que a equipe começou a partir daí a praticar, dentro da opinião generalizada, o melhor futebol do Campeonato Brasileiro, com uma vertente ofensiva enormíssima, que procurava constantemente o gol adversário. Uma equipe que procurava ser dominante.

– E eu tive a oportunidade, já em momentos depois, de falar com alguns dos meus jogadores. Jogadores com importância dentro do grupo de trabalho, uns que jogavam mais, outros que jogavam menos, mas eu não avalio a importância em jogar mais ou menos, mas no peso que eles têm dentro do vestiário. E alguns deles disseram o mesmo, e isto naquele momento foi fundamental para nós. Disseram que precisavam de uma liderança, de um caminho. “Nós acreditámos que aquele foi o caminho que você escolheu e que nós queremos seguir'. Porque eu não podia mostrar dois, três caminhos aos meus atletas depois de duas semanas de trabalho, ao fim de um mês, dar-lhes três opções. Nós tínhamos que saber que havia um caminho. E o caminho que nós escolhemos foi o que escolhi desde o início.

– E eu tive depois a felicidade de ter todo um elenco e um grupo de trabalho que de fato quis seguir esse caminho. Portanto, naquele momento, eu diria que, para vocês pode surpreender, para mim não, mas eu não iria nunca mudar porque acreditava que tinha gente capaz de corresponder à proposta de jogo que eu queria.

– Eu não pus os jogadores fora de posição, não mudei, eu pus as peças dentro daquilo que era possível fazer porque eu tinha jogadores para isso. E se confirmou exatamente isso, porque a equipa deu uma resposta sempre muito capaz. Nós precisávamos, e isso faz parte de uma liderança forte, mostrar que, por vezes, temos alguns entraves, mas há uma coisa que nós não podemos mudar nunca, que é saber para onde vamos e que é importante nós, em todos os momentos, não sempre ganhar, mas saber que vamos jogar sempre para ganhar.

Qual foi o maior desafio para impor sua ideia de jogo?

– Eu diria que o desafio maior foi conseguir equilibrar a equipe defensivamente. Foi o momento em que precisamos de um trabalho mais exaustivo para conseguir, e não falo de um quarteto defensivo, mas de toda equipe. Equilibrar por quê? Na minha forma de ver o jogo, entendo que podemos e temos como missão, quando com bola, ser uma equipe que crie o caos na equipe adversária. E isso só se consegue fazer com uma grande mobilidade e dinâmica ofensiva da equipe. O que faz a diferença para as grandes equipes, do topo, é a forma como rapidamente se reorganizam quando perdem a bola, independentemente da posição em que possam estar.

– E isso foi o desafio maior. Fazer com que fosse, quando com bola, tivesse dinâmica, e que depois, quando a perdesse, tivesse imediatamente uma reação a essa perda, que é fundamental para mim, e nós tivemos momentos em que por poucos segundos deixávamos o adversário com bola, para depois podermos ter a nossa reorganização.

– E a velocidade como nós nos reorganizamos é que faz a diferença. E que faz a diferença nas equipes de qualidade mundial, e as outras. Essa proposta foi dada aos jogadores e fomos, gradualmente, melhorando, e tendo, depois, melhor desempenho não só defensivo, mas também ofensivo. Mas, sobretudo, de equilíbrio, com um Botafogo funcionando como uma equipe, como eu gosto, e que se sobressai muito mais do que a individualidade.

Em qual jogo o time funcionou de forma quase perfeita?

– Há um jogo no meio da temporada que recordo que fizemos um jogo extraordinário do ponto de vista do plano de jogo e do desempenho. Foi o jogo contra o Fluminense, em que vencemos por 1 a 0, no Nilton Santos. Curiosamente, depois de uma parada FIFA em que nós tivemos uma semana limpa. Era o Fluminense ainda de Diniz, muito difícil, eram só os campeões da América do Sul e onde nós sabíamos todo o seu potencial e fizemos um jogo que me encheu de orgulho mesmo.

Veja abaixo o jogo citado por Artur Jorge

– Outros aconteceram e há jogos também aqui com outras nuances, mas se olharmos para aquilo que é plano de jogo, espírito e missão de cada um dos jogadores, dos setores e de toda a equipe, foi um dos jogos em que eu tenho na memória ter sido dos mais completos durante a temporada.

O “caos' do futebol brasileiro mais afasta ou atrai um treinador estrangeiro?

– A mim eu diria que mais atraiu mais do que me afastou. Eu sou muito competitivo e gosto de competir. É uma coisa que me faz falta competir quando não estou. Já estou de férias há três semanas e me faz falta competir. Eu gosto de voltar ao campo, ao trabalho, para poder ter a equipe e nem que seja competir só nos treinos. Para mim já é fundamental. Mas toda essa dinâmica do Campeonato Brasileiro é, de fato, uma loucura. Nós sabemos disso. É incomparável com campeonatos europeus ou outro qualquer.

– Mas isto também nos obriga a fazer uma referência muito importante para mim. Eu vejo uma equipe, um clube sempre de uma dimensão mais macro, nunca a olhando só para quem está dentro das quatro linhas. Há uma importância em termos um departamento médico, de performance, que seja competente, vasto e com argumentos para fazer um bom trabalho.

– Porque aqui no Brasil nós trabalhamos muito do ponto de vista analítico, ou seja, com muita análise, muita imagem, muito vídeo para os jogadores... E muita recuperação, ou seja, nós dependemos muito também desses departamentos que hoje são fundamentais para um clube de futebol, que se abrem para a ciência que hoje o futebol absorveu, e que são importantíssimas para termos jogadores sempre preparados e capazes no trabalho que fazem em campo, e também o trabalho que fazemos na recuperação, para que sejam capazes de responder de três em três dias, que é a exigência quando lutamos por objetivos maiores, e nós propusemos no início de temporada lutar por três títulos.

Na final da Libertadores, o time jogou praticamente o jogo inteiro com um a menos - Gregore foi expulso. Tem como um treinador prever isso?

– Tem. O engraçado de tudo isto é que olhamos para a final da Libertadores como um lado muito mais emocional. Eu próprio, eu confesso. Ainda hoje vejo imagens e fico com lágrimas nos olhos de ver o momento que vivemos em Buenos Aires. Porque tem uma carga emocional gigante. Mas, quando eu procuro me afastar do tal papel de torcedor, tenho que olhar para o lado frio. Os dados, a forma como fizemos. Não há como nós pensarmos que as coisas acontecem por acaso. Tem que haver planificação. E evidentemente que a equipe estava preparada como demonstrou. Podíamos não ter ganho. Isto não é razão para poder ganhar com dez porque não há fórmulas no futebol que resultem e que sejam sempre eficientes. Há, sim, tentativa de minimizar o que nós não controlámos. E quando falo que nós sabíamos o que deveríamos fazer, caso tivéssemos a situação que tivemos, evidentemente que 90 minutos é muito tempo para uma equipe poder ar. Mas nós tínhamos duas, três formas, sendo os contextos de jogo quais fossem, quando com menos um jogador, o que nós queríamos e podíamos fazer.

– Claro está que precisamos de ajustar comportamentos, sim, do Tiago (Almada), do Luiz (Henrique), para colaborarem mais no processo defensivo e acompanhar a subida dos laterais contrários. Precisamos que o Marlon fizesse quase que um papel de Gregore, com o preenchimento da linha de quatro mais um, quando o Hulk ou o segundo atacante do Atlético-MG andasse ali mais próximo. Nada é por acaso.

– Nós precisamos, depois, ter também uma pontinha de sorte e ter jogadores com o coração do tamanho dos que eu tinha. Ninguém estava preparado para eles. Quando uma equipe joga com o coração, é muito difícil ser batida. E isso, quando junta à parte estratégica, tens o resultado final, que é ganhar uma Libertadores, da forma como nós ganhamos.

– Mas há (como prever cenário com um a menos), e temos que estar preparados para isso, dentro do trabalho que é feito, para entender qual é a forma mais eficaz para mexer na equipe ou não. E há uma coisa que eu já falei sobre isto algumas vezes. Aquilo era uma final de Libertadores. Nós não podíamos, de forma nenhuma, abdicar de atacar. Nós não podíamos abdicar de poder fazer o gol. Não podíamos ficar à espera de absorver o impacto e esperar que o jogo se arrastasse até ao fim e tentássemos, no final, de alguma forma, ou nos pênaltis, ganhar o jogo. Nós tínhamos que ter uma proposta de jogo capaz.

– E a verdade é que chegamos ao intervalo, contra todas as probabilidades, ganhando por 2 a 0. Com uma equipe mantida equilibrada. Uma equipe que se uniu muito para não deixar mostrar a falta do Gregore, que era importantíssimo para a equipe. Mas conseguimos. É uma equipe que está treinada para poder ter esses momentos de contratempo e dar resposta. Não é por acaso que as coisas acontecem, porque de outra forma não estamos fazendo nada.

Houve algo nos bastidores da Libertadores que te fez enxergar que aquele time seria campeão?

– Nós temos bastidores de Libertadores muito bons. Eu diria que desde São Paulo, Palmeiras e depois Peñarol, temos bastidores muito bons. Fomos vendo o crescimento e confiança da equipe para atingir um feito inédito e um que todos nós procurávamos, e que, muito mais do que um objetivo, era um sonho. Era um sonho para todos nós. Nós pensamos em muitas coisas para poder dar conforto aos atletas. E um jogo de final em que tens um ano inteiro de trabalho, onde os jogadores podem jogar de olhos fechados porque sabem os comportamentos e as dinâmicas da equipe, e conhecem as alternativas de poder a equipe mudar para ter mais gente na frente, mais gente atrás, menos um, mais um, tudo isso já era dominado por eles também.

– E era importante apelarmos ao outro lado, voltamos à parte sentimental, emocional. Tivemos o cuidado de, na véspera, levar as famílias todas dos jogadores para junto deles para o hotel. Tivemos um momento diferente daquele que era o ir ao campo treinar, mas com as famílias todas no hotel em que todos puderam conviver de uma forma mais especial, privada, primeiro com as suas famílias e depois com todos num espaço. Tivemos dois ou três depoimentos e fizemos o nosso grito de guerra, com todos. Aquilo tem um peso sentimental muito forte e toca dentro de cada um de nós.

– E eu não tenho dúvidas nenhumas que aquilo também foi poder saber que nós íamos para dentro de campo, carregando o nosso sonho, levando também o sonho e a força e a energia da nossa família, e aquilo que sentimos durante toda a temporada, de que nunca caminhamos sozinhos. Que levamos sempre uma torcida apaixonada, e saber que tinha 40/50 mil torcedores do Botafogo em Buenos Aires foi um dos grandes segredos também para que a equipe tivesse o comportamento que teve. Ou seja, nós, mesmo com menos um, nunca sentimos que estávamos em inferioridade porque de fora vinha uma energia que superava largamente aquilo que era o menos um dentro de campo.

Atlético-MG e Botafogo se enfrentaram pelo Brasileirão um pouco antes da final. As confusões te preocuparam?

– Eu consigo separar muito bem o que são os momentos e os contextos de cada um dos jogos. Eu sei que para o nosso adversário o jogo que fizemos pelo Campeonato (Brasileiro) foi mais vantajoso (no resultado) do que para nós. Nós empatámos um jogo onde nós tínhamos a proposta de vencer porque seguíamos na luta pela liderança e pela conquista do título. Os três pontos eram fundamentais.

– O que eu mais lamento nesse jogo foi a não conquista desses três pontos. Tudo o resto faz parte do momento. Faz parte, inclusive, é do momento, uma equipe que sabe que vai nos enfrentar dali a muito pouco tempo e que procura criar alguma instabilidade em nós próprios. Isso, a mim, imunidade total. E eu fiz o mesmo com os meus jogadores, ou seja, em que separássemos cada um dos jogos para entender que o jogo de campeonato foi frustrante para nós, e seguramente para eles não tanto, tendo em conta aquilo que foi a proposta de jogo que eles tiveram. Ou seja, onde o impacto seria já o suficiente, mas nós não ficamos satisfeitos. Aí a nossa revolta no final, a nossa insatisfação, mas nunca com um adversário nem com um jogador nenhum. Conosco, por não termos conseguido vencer. Por sabermos que precisávamos ganhar e não ganhamos.

– Portanto, isto é exigência da equipe. Ninguém nos criou exigência maior do que aquela que nós criamos a nós próprios. Ninguém. Mas digo isto com toda a convicção. Nós éramos muito mais exigentes do que a torcida, do que a comunicação, do que o dono, do que toda as pessoas.

– E isso fez com que esse jogo tivesse aquele final mais conturbado, onde o adversário tentou tirar partido também para poder criar alguma instabilidade, mas nós, com a força da maturidade e do grande controle emocional, soubemos separar os momentos e fazer com que o jogo da final, por ser um jogo de final, não fosse levado nada do que foi o jogo de campeonato. A equipe foi muito madura também nesse aspecto, para podermos atacar a final, pensando só na final.

Luiz Henrique realmente disse que o time deles não era bom?

– Não sei se falou. Confesso que não ouvi. Mas também acredito que possa ter dito. Naquele momento, como outras que nós ouvimos, e em que nós tivemos comportamentos que não aprovamos de rivais nossos, mas que é o momento do jogo e é a parte final. Acho que a melhor resposta é fazer o nosso trajeto e, no final, estão aqui a taça e a medalha, e são nossas. É a única forma que nós temos de superar isso. Não há mais do que isso para perdermos tempo e energia com aquilo que não merece.

Você tem costume de valorizar o grupo. Mas qual dos jogadores do Botafogo você gostaria de treinar em todos os clubes que ar?

- São muitos, porque depende sempre do contexto daquilo que eu possa ter na equipe. Eu posso hoje gostar de levar um zagueiro, mas se eu tiver zagueiros que me correspondem, posso querer um volante. Desse volante, posso ar para um atacante. Depende sempre. De uma coisa eu tenho certeza: de todo o meu elenco do ano ado do Botafogo, todos eles tinham espaço para jogar comigo, porque virei fã das suas qualidades. Não só futebolísticas, mas também enquanto homens.

Mas há um nome no seu radar: Gregore. O Al-Rayyan vai pagar a multa para tirá-lo do Botafogo?

– Eu já manifestei a minha vontade. Nós queremos sempre os melhores jogadores conosco, e enquanto técnicos, vamos recolhendo aquilo que é (positivo) por onde ámos. E o Botafogo foi um clube que me deixou muitos jogadores. Digo isto honestamente, e vocês sabem que sim. Muitos jogadores que eu gostaria de ter comigo. Mas estamos falando da impossibilidade de levar alguns jogadores para o mercado onde eu hoje estou. As próprias condicionantes do mercado também limitam o número de estrangeiros.

– O Gregore é um jogador que eu aprecio e gosto muito, de fato, e tem um potencial enorme para ter sucesso também no Catar. Se vai ou não ser meu jogador em breve, depende muito também do que pode ser a vontade do meu clube, do Botafogo e também, sobretudo, a do jogador.

Antes de você sair para o Al-Rayyan, houve a Copa Intercontinental. Acha que sua iminente saída influenciou o desempenho do Botafogo?

– Não era iminente a minha saída. Há aqui uma questão que eu percebo. Há uma versão, que normalmente é a versão que fica, que é a colocada na imprensa. Mas isto acontece em todos os temas, não é só no futebol. Há uma versão só. E nós não temos, às vezes, nem vontade nem tempo para ampliar e mostrar que há sempre mais do que uma versão. Abrindo para poder desmistificar isso um pouco, eu sempre tive o meu projeto de Botafogo como minha grande prioridade.

– Tive abordagens do Al-Rayyan desde outubro, em que me procuraram para poder abraçar o projeto naquele momento. E nunca, nunca (levei à frente), de forma alguma, inclusive não dando margem para que houvesse qualquer tipo de conversas comigo, porque eu estava 100% focado na conquista dos títulos com o Botafogo. Para mim, era a prioridade. Era sempre a minha grande prioridade poder terminar o campeonato vencedor, ganhador, fazer com que esta gente pudesse ter um momento de euforia, de satisfação pessoal ganhando títulos.

– E tudo aquilo que se fala é só da valorização. Uma valorização que existe com o treinador, que existe com os jogadores. Vocês começaram a ouvir também do treinador, dos jogadores que podiam ir para a Europa, dos jogadores que podiam sair. Mas é (natural) de quem ganha, e ainda bem que é assim. Só ganhando é que nós somos valorizados e cobiçados. Portanto, todo este processo (de interesse do Al-Rayyan), que depois fica em stand-by, se arrasta até o momento em que eu assinei, em janeiro de 2025 pelo Al-Rayyan. Depois de perceber que o meu projeto de Botafogo tinha terminado ali, naquele momento.

– Nada mais do que isso há a dizer, apenas que é um projeto que o Botafogo me apresenta. Eu também não vou dizer que tenha ficado satisfeito por sair, porque eu sei que tinha mais para ganhar aqui. Mas da mesma forma que nós precisamos ser consistentes durante uma temporada, enquanto equipe, precisamos de consistência de projeto para dar continuidade àquilo que queremos e à forma como queremos atacar objetivos seguintes.

Muito se falou sobre John Textor não ter ido até você para conversar. Houve iniciativa do clube em te valorizar?

– Eu não gosto muito de falar sobre o tema. Nós temos que reconhecer que o Textor, primeiro, é o grande responsável por ter me trazido para o Botafogo. É uma pessoa a quem estou eternamente grato pela oportunidade que me deu de treinar o Botafogo. É de fato um gestor que fez (o clube) crescer e lutar por objetivos maiores. É uma pessoa de importância muito grande para o clube. Não posso, nem sou, ingrato pelo que quer que seja.

– Agora, a valorização... Dos técnicos, eu estaria na oitava posição (na lista) dos mais bem pagos do Brasileirão de 2024. Acho que o meu trabalho foi merecedor de ser considerado (mais valioso), aquilo que foi o trabalho desenvolvido. E isso é mostrando competência, que depois é ou pode ser reconhecida.

– Não tivemos a oportunidade de falar sobre continuidade, falamos só num momento sobre saída. Foi a única conversa que tivemos para poder, naquele momento, terminar um ciclo. Como eu disse, era a minha exigência, a minha prioridade, terminar um ciclo. De outra forma, eu poderia ter, como disse, saído mais cedo. Mas jamais isso esteve na minha cabeça, jamais. Nunca esteve na minha cabeça, porque eu valorizo muito mais o ganhar o título do que ganhar mais um real.

Ou seja, Artur Jorge poderia ter seguido em 2025 no Botafogo?

– Podia.

Por que não ficou, então?

– Porque as coisas são assim no futebol. Nós temos que saber lidar. Isto também é o sistema, temos que saber viver nele. A proposta e a possibilidade que havia para sair mais cedo, e que se acentua quando termina o campeonato, quando está mais aberto para poder avaliar possibilidades, faz com que você tenha que pensar em vários cenários e contextos. O que eu optei para mim foi o encerramento desse ciclo aqui no Botafogo, tendo em conta aquilo com que me deparava e o que eu tinha pela frente. Tenho que tomar decisões, pensar naquilo que possa ser o melhor. Mas óbvio que eu não posso dizer que tenha ficado satisfeito por sair do Botafogo.

Você tinha dúvidas sobre a solidez e a continuidade do projeto, ou investimentos? Saíram dois grandes jogadores, Luiz Henrique e Almada.

– Temos que ser consistentes naquilo que é o projeto, a valorização. E temos que saber que os projetos, para mim, fazem parte se forem projetos. Ou são mais importantes e valiosos se forem de longa duração. Isso pode parecer um contrassenso naquilo que aconteceu comigo, mas é verdade. Temos um exemplo aqui no Brasil, do Abel (Ferreira, do Palmeiras), que é um treinador ganhador, que tem toda uma proposta de projeto com o seu próprio clube, mas que foi sempre, em cada momento de conquista, valorizado de forma pessoal. E não falo só de dinheiro, falo daquilo que é a sua importância e a sua valorização dentro do clube . Este é um exemplo que eu gosto de dar como referência porque me parece importante. Não há nada nem ninguém mais importante do que o clube, isso é inegável, mas depois nós podemos dar ou não mais reconhecimento a quem de fato trabalha e faz o clube ganhar.

O papel dos empresários junto a jogadores e treinadores sempre desperta curiosidade no futebol. Sabemos que você tem uma relação próxima com o seu, Hugo Cajuda. Como os interesses se equilibram na hora de tomar decisões?

– O Hugo tem um grupo de treinadores que são todos muito ganhadores e bem-sucedidos (Nota da redação: a lista de clientes também inclui nomes como Abel Ferreira e Leonardo Jardim, por exemplo), em grande parte deles. Eu tenho uma relação ótima com ele, porque é uma relação que vem há muitos anos e que não começa como treinador e agente. Começa antes, como amigos pessoais. O que na verdade acontece, como não pode deixar de ser, quando eu digo que gosto de dominar ou de ser eu a ter a decisão de escolher... É isso também que ele respeita.

– Há um trabalho dele para poder ter possibilidades. Acho que, no fundo, é esse o papel que ele mais procura desenvolver: ter possibilidades para que eu possa escolher, dentro delas, a que considero a melhor para mim. Evidentemente, pela experiência que (Cajuda) tem no mercado, na ligação a inúmeros clubes a nível mundial, onde os projetos lhe são apresentados e o conhecimento que tem sobre o próprio clube, pode fazer com que a opinião dele tenha também influência na minha decisão. Mas há, sobretudo aqui, um trabalho que é feito na direção de poder fazer com que o treinador esteja inserido no melhor projeto, no melhor clube, nas melhores condições, no seu trabalho. Quando eu estou feliz, sei que ele está feliz também. É dessa forma que conseguimos validar o trabalho que fazemos em parceria.

Você citou a estabilidade que uma SAF pode dar, mas é uma experiência diferente porque não há um presidente na sede. É um dono que, no caso do Botafogo, vem ocasionalmente. Isso faz diferença?

– Acho que só faz sentido, no dia de hoje, os clubes terem este tipo (SAF) de gestão. Acredito que o projeto esportivo seja sempre muito importante, mas há o projeto de gestão e de capacidade financeira. Eu só me identifico com projetos, de fato, onde haja este tipo de liderança. Ter um dono, da forma como temos, invalida a possibilidade de estarmos na rotina diária com essa pessoa, mas eu sempre tive uma relação muito boa com o John (Textor). Durante a temporada, falamos muitas vezes sobre diversos assuntos, fomos sempre muito francos, muito abertos um com o outro. Volto a dizer que é uma pessoa a quem estou extremamente grato pela oportunidade que tive para treinar o Botafogo. É importante e determinante, e continuo a dizer que não é uma miragem, dentro de um projeto de clube SAF, a estabilidade que um treinador precisa para fazer um bom trabalho. Continuo dizendo que é o modelo de gestão que eu mais aprecio porque traz, para os jogadores e os treinadores, a possibilidade de estarmos inseridos numa máquina que se projeta e se prepara para ganhar. Isto, para mim, é fundamental.

Você se vê de volta ao Brasil no futuro?

– Me vejo, e faz parte do meu projeto de carreira poder voltar ao Brasil. Confesso que já tive a oportunidade. Neste curto espaço de tempo que estou fora, já fui convidado para voltar ao Brasil. Mas dentro daquilo que acabei de dizer, de um projeto que eu quero que seja ganhador, tenho a proposta para poder ganhar no Al-Rayyan, e quero vencer lá. É um clube que já não ganha há algum tempo, e quero tentar começar uma temporada desde o início. Mas, sim, faz parte do meu projeto voltar ao Brasil. Exatamente pela competitividade que o campeonato me oferece, e também pelo que eu considero que é um campeonato preenchido com boas equipes, com jogadores extraordinários e com todos os clubes muito fortes.

Quando falamos em técnicos portugueses, José Mourinho vem muito à cabeça. Quem é a sua grande referência?

– É o José Mourinho. Temos grandes treinadores portugueses, sem dúvida. (Mas é) o Mourinho porque foi um treinador que acabou abrindo portas internacionalmente para Portugal. Tem uma liderança que eu aprecio muito. É uma pessoa extremamente séria, e de uma abordagem justa para com aquilo que é o clube que defende e os seus jogadores. Eu me identifico muito com isso. Me vejo muito nesse perfil de um homem, de um treinador que é um ganhador nato. E uma referência para todos nós, obrigatória, daquilo que ele já conquistou.

Você gosta do estilo dele em entrevistas coletivas? Às vezes é provocador...

– Nesta fase (da vida), ele tem uma margem que nós ainda não temos, que é poder, com aquilo que ganhou, estar à vontade para dizer o que entende. Também lhe permite dizer tudo isso. Mas vai também ao encontro da personalidade, do caráter de cada um. Não vejo isso nunca como sendo ofensivo ou rude. Vejo apenas como um traço, onde às vezes também há necessidade de uma resposta sobre quem ou quando muitas vezes não somos tão bem tratados.

Como projeta a Copa do Mundo de Clubes? Conhecendo os quatro clubes aqui do Brasil, vê chances reais deles nessa disputa?

– Estou vendo esse Mundial com alguma inveja, confesso (risos). Era, juntamente com os dois títulos anteriores (Brasileirão e Libertadores), uma competição da qual gostaria muito de ter participado. Eu queria estar lá e fiz também a minha parte para isso. Mas não há o melhor dos dois mundos, e temos que tomar decisões. Vejo, acima de tudo, com grande orgulho. Um orgulho grande de ver o Botafogo, de ver grande parte dos meus jogadores fazer parte de uma competição como esta.

– Sobre a questão de possibilidades e probabilidades, eu acho que depende muito da abordagem que os clubes europeus podem ter para esta competição. Até mesmo da forma de que os clubes brasileiros possam ter na abordagem. Na minha opinião, (os brasileiros) têm alguma vantagem pelo fato de estarem não no início, mas num início-meio de temporada, e onde o processo está para eles em curva ascendente. Contrariamente aos clubes europeus, que estão numa curva já descendente. É uma competição que eu acho extraordinária de poder participar. Vão ter a sua oportunidade, e num caso concreto os quatro clubes brasileiros, de tentar tirar o máximo partido e proveito de uma competição que vai, com toda a certeza, valorizar em grande série mais uma vez os clubes, os jogadores e os seus treinadores.

Na apresentação ao Botafogo, Renato Paiva comentou que vocês tinham se falado. Como é a relação de vocês?

– Nos falamos, eu sou amigo do Renato. Falamos num momento que achamos ter sido ou era oportuno falar. Quando o Renato chegou e assumiu o comando técnico, houve muita comparação, muita coisa se falou, alguma até má interpretação. O Renato me ligou precisamente para podermos não estar no meio de más interpretações. Falamos de uma forma amigável, em que eu lhe dei os parabéns pela oportunidade que teve de agarrar um projeto com a dimensão que é o Botafogo, também lhe desejei toda a sorte do mundo para o trabalho que ele ia fazer.

– Ele também me agradeceu pelo que pegou (do meu trabalho). E me pediu para que pudéssemos conversar, e sabemos (disso) porque somos duas pessoas maduras, que sabem e que estão há muito tempo no futebol, para que não se deixem influenciar sobre o que pode ser a opinião pública. Sei que tenho uma relação com ele, continuo a lhe desejar o melhor e sei também que ele me deseja o mesmo.

Quando vocês se conheceram?

– Nós nos conhecíamos antes. Fomos adversários até, creio eu, em termos de formação. O Renato tem um ado, como vocês sabem, todo muito ligado à base do Benfica. Não sei se competimos contra, mas pelo menos fazíamos parte da base dos clubes que acabam sendo rivais. Depois, tivemos a oportunidade de, no curso de treinadores, fazermos parte da mesma turma. Fomos colegas de classe no curso de formação (para obtenção da licença) UEFA Pro. Fomos colegas e somos amigos. Isso faz com que possamos ter esse desejo de sucesso de um lado para o outro.

Você recebeu homenagens da Câmara do Rio de Janeiro, e vimos muitos torcedores (na sede da Globo) lhe pedindo fotos. Ficou uma ligação muito forte com a cidade e o Botafogo, não é?

– Ficou muito. Quando você sai, se despe da camisa do Botafogo, mas parte da estrela fica colada a nós. Eu tenho recebido muito carinho aqui. Tenho o máximo respeito, sobretudo pela torcida do Botafogo, que tem sido sempre muito leal e correta comigo.

– Eu percebo que pode ter uma fração dessa torcida com alguma mágoa pela saída. Já disse que eu próprio também tenho, então como eles poderiam não ter? Aquilo que fica é a referência de um ano histórico, marcante para todos nós. Um ano em que vivemos juntos momentos inesquecíveis, impagáveis, que são de grande peso histórico.

–E também na relação com o Rio. Já recebi homenagens da cidade, receberei agora do estado (Medalha Tiradentes, honra da Assembleia Legislativa). Me deixa muito, muito orgulhoso pelo reconhecimento. Sobretudo pela dedicação e pela forma, que eu espero ter sido sempre muito correta, como acabei conduzindo todo este meu processo de liderança do Botafogo. E poder terminar ganhando, mas sentir também esta grande simpatia do povo brasileiro e sobretudo do carioca.

Você mencionou uma possível mágoa dos alvinegros pela forma que as coisas aconteceram, o fim desse ciclo, e o seu sentimento. A única forma de curar isso é voltando ao Botafogo?

– Eu acho que cada um poderá lidar com isso de formas diferentes. Não há uma fórmula para que aconteça. Pelo lado positivo, gosto de pensar naquilo que fica, e que não será mais apagado, que é o nome da equipe de 2024, aqueles que fizeram parte, o nome da primeira equipe a conquistar uma Libertadores para o Botafogo. Os momentos mágicos que vivemos.

– Isso é o que vai prevalecer, ficar na memória. Todo o resto são momentos que são mais facilmente deixados para trás, porque a vida nos obriga a isso também. E que nós possamos ser, dentro de uma positividade que se merece, e que eu acho que o Botafogo tem que ter, até para quebrar um bocadinho do contraciclo que às vezes nós ligamos à cultura botafoguense. Precisamos ser muito positivos, ambiciosos e determinados na busca de sucessos, e isso se consegue com referências ganhadoras. Esta equipe de 2024 será sempre uma das equipes, provavelmente, a mais ganhadora da história do Botafogo, portanto, aquela que será uma referência maior para as gerações futuras.

Está feliz no Catar? O que mais te satisfaz por lá?

– Estou, estou muito feliz, sobretudo pela vida que levo. Uma vida em que ei do 80 para o 8, em termos de aceleração . Aqui no Brasil, é uma vida muito mais agitada, uma vida também mais tensa, confesso, pessoalmente. Seja ao nível de segurança ou de afeição, estou muito bem, porque nós temos às vezes uma ideia (sobre o Catar) que nem sempre é certa. São pessoas muito afáveis por lá também, calorosas, respeitosas. A qualidade de vida, naquele que é um país, uma cultura completamente diferente, faz toda a diferença.

– O que mais me faz falta, é a competitividade. Não é possível comparar o que é o contexto competitivo em que hoje estou inserido com o do Brasil. Não é assunto. Isso me faz falta, mas neste momento, em contrapartida, vejo o que é a minha qualidade de vida como prioridade. E, nesta altura, valorização para mim. Para depois, quando assim for, poder ter, e espero que no final do contrato, voltar a um outro tipo de agitação.

Você falou que planeja muitas coisas na sua vida. O mercado de seleções é algo que te atrai?

– Tive agora esta possibilidade, que eu sei que é muito real, em relação à seleção do Catar. Há um mês, estiveram em um processo de escolha, e sei que o meu nome foi um dos nomes mais fortes sobre a mesa para fazer parte disso. Mas também sei que houve uma influência, acredito que real, do meu sheik para continuar no projeto que tenho no Al-Rayyan. E, dessa forma, tentar fazer com que o clube possa, como estamos tentando projetar, ser um clube ganhador. Esse momento acabou ficando um pouco para trás, mas não quer dizer que amanhã não volte a estar sobre a mesa e a ser uma possibilidade que eu, naturalmente, quando tendo a possibilidade, vou avaliar.

Um tempo atrás, aqui no Brasil, se discutiu muito a entrada de estrangeiros (no futebol de clubes e na Seleção). Você se sentiu bem recebido? Como vê Ancelotti no Brasil?

– Eu confesso que tenho dificuldade em discutir isso, porque me confunde, em um mundo tão global como o nosso, que falemos de nacionalidades para o que quer que seja. Digo isso porque um dos treinadores que eu mais gostei de ver na seleção portuguesa foi o Scolari (Felipão), um brasileiro que me deu muitas alegrias. Quase fomos campeões europeus. Levou para a seleção um sentido de família que, até então, nós não tínhamos. Não tenho problema nenhum em reconhecer e valorizar esse técnico, que é brasileiro e que orientou a seleção portuguesa.

– Como não tenho problemas em me sentir um orgulhoso português por ter ganhado a Liga das Nações com um treinador espanhol (Roberto Martínez). Isso para mim não é assunto, ter um treinador italiano à frente da seleção brasileira, porque a globalização não pode ser só em alguns contextos ou momentos. (Deve ser) também nas nossas próprias áreas, em que acabamos sendo treinadores do mundo. Temos base e formação em cada um dos nossos países, mas depois (somos) preparados para trabalhar em qualquer parte do mundo e contexto. Não vejo isso como problema. Vejo, sim, o que é competência. E valorizar a competência será sempre o mais importante para mim.



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