Dia dos Namorados e não monogamia: data fomenta debate e expõe ‘novos’ modelos de amar

Engana-se quem pensa que a não monogamia tem demonstração crescente da Geração Z

| MIDIAMAX/KARINA CAMPOS


O amor monogâmico está obsoleto a um debate complexo e multifacetado sobre a não monogamia.(Ilustração, Giovana Gabrielle)
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O Dia dos Namorados é, tradicionalmente, uma data para celebração do amor e do afeto. As campanhas publicitárias costumam destacar casais tradicionais, sejam eles heteroafetivos ou homoafetivos. No entanto, com a crescente aceitação de diferentes formas de relacionamento, a ideia do amor exclusivo vem sendo questionada.

Surge, então, um debate mais amplo e complexo sobre a não monogamia. Afinal, que bicho é esse? E como essas pessoas comemoram o Dia dos Namorados?

O Jornal Midiamax investigou o tema para entender suas nuances e práticas. Engana-se quem acredita que esse tipo de relação é apenas uma tendência da Geração Z. A não monogamia tem raízes milenares e, em alguns contextos, até tradicionais.

Pessoas com visões mais conservadoras podem presumir que ter mais de um parceiro sexual ou afetivo significa libertinagem ou promiscuidade. Entretanto, ao contrário do que muitos pensam, essas relações também se baseiam em valores como confiança, comprometimento e comunicação.

O que é a não monogamia?

A monogamia é definida como a prática de um relacionamento exclusivo entre duas pessoas. Já a não monogamia abrange diversas formas de se relacionar afetiva e/ou sexualmente com mais de uma pessoa, com o consentimento de todos os envolvidos.

Entre os modelos mais conhecidos estão o poliamor, os relacionamentos abertos, os trisais e o swing, prática sexual que envolve a “troca” entre um ou mais casais. Neste material, abordamos o tema de forma ampla, sem categorizar rigidamente cada vertente.

Amor (não monogâmico) à primeira vista

Felipe* e Matheus*, de 31 e 35 anos, são personal trainer e corretor de imóveis, respectivamente. Eles se conheceram por meio de um aplicativo de relacionamento e relatam que a química foi imediata. O primeiro encontro foi do barzinho a uma boate de Campo Grande, onde acabaram encontrando um conhecido em comum. Logo, um envolvimento a três.

“Era o nosso primeiro encontro e a palavra ‘não monogâmico’ não tinha sido debatida. Por conversas antes, já tínhamos dito que estávamos buscando algo mais sério, já não estávamos na fase de só sair por sair. Na boate, acabou acontecendo de forma muito natural. Foi surpreendente, porque, geralmente, eu sou mais ciumento. Mas com o Matheus foi totalmente natural e espontâneo', comenta Felipe.

“Ficou só no beijo na boate e fomos para casa. Quando acordamos, rimos muito e, logo de cara, isso foi tratado no nosso relacionamento. Estamos há quase 4 anos juntos, sendo um relacionamento aberto. Sempre houve muita conversa e troca de interesses. Não é uma bagunça. Falamos sobre nossa relação com nossos amigos, mas somos discretos e preferimos assim', acrescenta Matheus.

Comemoram o Dia dos Namorados?

O casal afirma que não comemora a data da maneira tradicional, como jantar fora ou trocar presentes caros. Para eles, o Dia dos Namorados é um evento marcado pela lógica do consumo e da monogamia.

“A maioria dos relacionamentos abertos, poliamorosos e afins concorda que essa data é particular, entre seus combinados. Nós não comemoramos como se fosse essencial. Diferente do que acham, também não vamos comemorar convidando uma pessoa com quem nos relacionamos. No primeiro ano de namoro, nós até saímos e vimos muitos casais tradicionais. Hoje, morando juntos, torna-se um dia da rotina. Como aqui é véspera de feriado (13 de junho, Santo Antônio), vamos atrás de festa junina', brinca Matheus.

Sobre ciúmes e troca de presentes, Felipe esclarece: “O dia em si, não comemoramos. Nosso relacionamento é aberto, mas apenas nós dois moramos na casa. Como não trocamos presentes entre nós dois, também não tem para quem nos relacionamos eventualmente. Quando saímos, há um combinado e a comunicação. Assim, nosso casamento é com acordos'.

Do ensino médio ao namoro não monogâmico

Amanda*, psicóloga, e Cadu*, namorado, também não comemoram a data por uma escolha do casal, reforçada pela rotina de um relacionamento a distância. Algumas datas especiais são celebradas por chamadas on-line.

Eles se conheceram na adolescência, no Ensino Médio, mas se aproximaram apenas em 2021, durante a pandemia de covid-19. Amanda, de 25 anos, e Cadu, de 26, aram a conversar diariamente, e o namoro começou após ela se declarar no Ano Novo.

Logo no início, a não monogamia foi pauta entre eles. Amanda já havia saído de um relacionamento tradicional e começou a refletir sobre outras possibilidades de se relacionar.

“Já tinha começado a refletir sobre isso: viver tendo que me suprimir para estar em um relacionamento com regras e exigências impostas por uma tradição e norma da sociedade não me cabia mais. Me diminuí muito no meu relacionamento anterior, por medo de ficar sozinha, mas os conflitos com o modelo de relação já existiam dentro de mim'.

Confiança

Apesar do medo da reação de Cadu, ela decidiu conversar: “Estava com medo de como seria a conversa, se ele entenderia, se aceitaria. Estava completamente apaixonada e não queria perdê-lo, mas, ao mesmo tempo, não cabia mais em uma relação tradicional'.

No fim, Cadu acolheu bem a proposta: “Na nossa relação, falamos muito de uma não monogamia política, que não é (só) sobre poder ou não ficar com outras pessoas e com quem, mas sim uma estrutura de relação diferente. Por isso, nem costumamos dizer que temos um ‘relacionamento aberto’, já que esse termo geralmente carrega apenas o aspecto da possibilidade de relações físicas, mas normalmente impede vínculos afetivos'.

Com ou sem acordos?

“Na nossa relação, não temos acordos bem marcados ou estabelecidos, mas temos muito diálogo. Principalmente no começo, quando eu estava no último ano da faculdade, e era o primeiro que eu não estava em uma relação fechada. Eu queria aproveitar, e assim fiz. Mas sempre conversamos muito, não como uma forma de cobrar uma posição ou atitude, e sim como uma forma de troca: falar sobre expectativas, medos, inseguranças e como poderíamos lidar com tudo isso'.

O casal está junto há três anos e destaca que a base da relação é a honestidade e a abertura emocional. “Não somos e nem temos como ser os únicos na vida de uma pessoa. Não cabe a nós dizer como o outro deve ou não se sentir. Para a gente, na nossa relação, não monogamia é sobre isso: sobre trocas, expectativas, ser sinceros sobre os nossos sentimentos sem as cobranças que vêm de fora. Temos uma relação de muito amor, de muita liberdade para ser e sentir do nosso jeitinho'.

Transparência e diálogo são as chaves

Adriano Bueno e Rafael Santana se conheceram em 2021, através de um conhecido disposto a encontros a três. Ambos se conectaram pelas redes sociais, inicialmente flertando por três meses on-line, sem envolvimento presencial do trio. Quando marcaram um encontro sozinhos, perceberam afinidades em gostos, sexo e ideais.

Logo no início, ambos foram claros sobre o interesse em um relacionamento não monogâmico. Enquanto Adriano viveu um relacionamento fechado por oito anos, Rafael já tinha experiências em relações abertas.

“Na minha cabeça, não se pode forçar a ter essa experiência sem conversar. Eu já sou mais aberto para viver, aproveitar e, se as pessoas quiserem, vão viver. Numa relação, sempre tem que haver acordos, independente da forma. O nosso primeiro é ser transparente. Temos que dizer sobre os desejos que a gente tem, se for por outra pessoa. Temos um gosto parecido (de parceiros e interesses), mas achamos importante dizer sobre qualquer sentimento envolvendo terceiros', diz Rafael.

“Isso (aproximação) quer dizer que vai acontecer aleatoriamente com pessoas livres? Não. Quer dizer que vamos expor ao outro e, se ambos quiserem ter, vai acontecer. Se um gostar e o outro não, automaticamente não ficamos com a pessoa. Pois é um acordo nosso. O nosso acordo é nos relacionarmos juntos', conclui.

Sem julgamentos

Sobre os julgamentos, o casal diz que debate a questão com pessoas dispostas a entender como funciona um relacionamento não monogâmico. Entretanto, críticas sem fundamento são deixadas de lado por não agregarem à união deles.

“A gente defende que a relação aberta tem regras e combinados. Vale lembrar que, assim como uma relação monogâmica, também tem relações que são uma bagunça. Mas, no nosso caso, nos preocupamos com o sentimento um do outro. Somos um casal gay. Se a gente vê alguém Bonito, comentamos um para o outro. O diálogo faz uma relação forte', pontua Adriano.

Assim como os outros casais não monogâmicos entrevistados, eles também não avaliam o Dia dos Namorados como uma imposição para comemoração, pois a união é motivo para celebrar todos os dias — seja em jantares durante um dia corrido da semana, cafés da manhã nos dias de folga ou simplesmente dormindo juntos após um dia cansativo de trabalho.

Vantagens

“Eu acho vantajoso ser (relacionamento) aberto pela transparência e liberdade para falar com o outro e desejar o que se deseja. Eu penso, não é por obrigação ficar preso a uma pessoa por assumir um relacionamento monogâmico. No nosso caso, estamos livres para falar um ao outro, não vai gerar um sentimento de traição ou de desconfiança. Pelo contrário, pois sabemos que o outro não está escondendo'.

“Tem pessoas que nos procuram nas redes sociais para perguntar como fazemos para dar tão certo. Não somos donos da verdade, mas compartilhamos nossas vivências. Percebo que ainda é um tabu, até mesmo no meio gay. Há pessoas que não são resolvidas', finaliza Adriano.

Uma tradição em transformação

A monogamia, como prática social e afetiva, é complexa e multifacetada. Embora muitos acreditem ser uma norma ancestral, a historiadora Lígia Cristina Carvalho explica que o modelo monogâmico, como conhecemos, foi consolidado ao longo de séculos, especialmente por influência religiosa.

“A relação monogâmica varia conforme a época, o lugar e as categorias socioeconômicas. Ao partirmos da Antiguidade Ocidental, no caso da Grécia e Roma, podemos considerar que a relação monogâmica fazia parte da própria estrutura social, porém, a fidelidade era uma postura cobrada da mulher, havendo certa permissividade com as relações extraconjugais masculinas. Isso porque, antes da existência de exames de DNA, a fidelidade feminina era a única garantia da paternidade legítima'.

Segundo Lígia, a partir do século II, os romanos endureceram sua moral e o cristianismo reforçou o ideal de pureza e pecado. O casamento ou a ser um sacramento da Igreja Católica — exogâmico, monogâmico e indissolúvel. Esse modelo se espalhou pelo mundo com as grandes navegações e a colonização, apagando práticas poligâmicas indígenas, por exemplo.

A não monogamia não é novidade

“Não, em absoluto', responde Lígia sobre a ideia de que a não monogamia seja uma ‘moda’ atual. Segundo ela, sempre existiram grupos sexualmente livres no Ocidente, ainda que marginalizados pela tradição judaico-cristã.

Ela destaca que grandes mudanças ocorreram no século XX com as Guerras Mundiais e a Revolução Sexual das décadas de 1960 e 1970. A popularização de métodos contraceptivos, o avanço da emancipação feminina e a reconfiguração do casamento como contrato civil impactaram diretamente a estrutura dos relacionamentos.

“A história não é linear, e o que é permitido ou proibido está em constante revisão. Cada vez mais, as relações monogâmicas estão se distanciando das pressões familiares e religiosas, baseando-se na escolha dos indivíduos, assim como o amor livre. E, nesse quesito, ‘estamos sozinhos diante do abismo de nossas próprias escolhas’, como afirma Dominique Simonnet'.

O olhar da terapia

A terapeuta sexual e psicóloga Carol Valdes explica que o consultório é um espaço de acolhimento para casais monogâmicos e não monogâmicos.

“É comum o atendimento de psicoterapia com casais. No atendimento não há julgamento de acordo com o que a sociedade coloca como modelo tradicional. É muito comum na terapia você conhecer o que realmente se apresenta, não o que se espera'.

Segundo Valdes, a longevidade de qualquer relacionamento depende da clareza, transparência e sinceridade entre os envolvidos.

“A psicologia pode exercer um papel fundamental na desmistificação do poliamor e no combate a preconceitos e estereótipos negativos. Tanto os relacionamentos monogâmicos quanto os não monogâmicos têm mais chances de serem saudáveis e duradouros por meio de comunicação eficaz e negociação constante'.

*Os nomes dos casais utilizados neste material são fictícios para preservar o sigilo dos entrevistados.

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